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Zequinha: o doce sabor de infância

Criadas nos anos finais da década de 1920, as Balas Zequinha marcaram a infância, as brincadeiras e o ser curitibano.

10/06/2020

Texto: Silvia Bocchese de Lima

Acervo Gibiteca de Curitiba / Casa da Memória – FCC

Cantadas pelo samba-enredo
da Embaixadores da
Alegria – campeã no carnaval
curitibano de 1992
–, citadas no conto Em Busca da
Curitiba Perdida, de Dalton Trevisan,
e recriadas em versos e desenhos
por Valêncio Xavier e Poty Lazzarotto,
em A Propósito de Figurinhas, as
Balas Zequinha atravessaram gerações
e fizeram parte do imaginário
coletivo da capital paranaense por
mais de 60 anos.

Criadas nos anos finais da década de
1920, pela fábrica A Brandina, dos
Irmãos Sobania, as balas de açúcar,
misturadas à essência de frutas e em
formato quadrado, eram embaladas
à mão, em figurinhas numeradas e
que retratavam um personagem – o
palhaço Zequinha –, em diferentes
atividades, profissões, lugares e com
as mais variadas emoções.

Acervo Gibiteca de Curitiba / Casa da Memória – FCC

A patente das Balas Zequinha foi
vendida, em 1940, para a empresa
Irmãos Franceschi, que comercializou
as balas até 1955, quando a
J. Gabardo e Massocheto adquiriu
a marca. A empresa fez a última
tiragem das balas em 1967.
Em dezembro de 1974, o jornal
Gazeta do Povo trazia a notícia do
retorno da marca, mas sem o entusiasmo
das décadas anteriores. A
matéria não informa qual empresa
foi responsável por esta edição
das balas. “Estão de volta as famosas
‘Balas Zequinha’, embora os
banqueiros tenham apresentado
pouco interesse, afirmando que
‘hoje em dia existem tantas outras
coleções interessantes’, muita gente
ainda procura o produto. Nos
bairros, a tendência é voltar a ‘coqueluche’
que nos anos 40 e 50
tomou conta da criançada”, trazia
a matéria.

Acervo Gibiteca de Curitiba / Casa da Memória – FCC

Em junho de 1976, o Estado do
Paraná registrou o personagem
no Instituto Nacional da Propriedade
Industrial (INPI). Pouco
tempo depois, o empresário
Zigmundo Zavadski impetrou
uma ação contra o Estado, alegando
ser o criador e idealizador
da figura do Zequinha. Segundo
o INPI, em fevereiro de 2019 foi
extinto o registro da marca por
caducidade, que estava em nome
de Experanza Administradora
de Bens.

Palhaço Piolin

ONDE TUDO COMEÇOU
Francisco Sobania,
um dos proprietários
da Irmãos
Sobania, esteve em
São Paulo, em 1928,
quando conheceu as
Balas Piolin – balas que
traziam figurinhas colecionáveis.
Ao retornar
a Curitiba, encomendou
à Impressora
Paranaense, uma coleção inicial
de 30 figurinhas coloridas para
embalar as balas produzidas pela
fábrica da família. A inspiração
não poderia ser outra, o Palhaço
Piolin – nome artístico de Abelardo
Pinto que incorporou Piolin
ao seu nome de batismo. Foi um
dos mais famosos palhaços brasileiros,
conhecido mundialmente
e aclamado pelos modernistas.
Em 1972, seu aniversário, comemorado
em 27 de março, foi declarado
oficialmente o Dia Nacional
do Circo. Curiosamente, Piolin
morreu em 1973, de insuficiência
cardíaca, engasgado por uma bala.

No Paraná, as Zequinhas
rapidamente ganharam
a simpatia de
crianças e adultos. As
imagens desenhadas
em papéis no formato
5x7cm, pelo litógrafo
Alberto Thiele, logo foram
ampliadas até a de
número 50. O sucesso
das balas foi tamanho
que elas chegaram a 100
e rapidamente a 200 figurinhas.
Os desenhos
com numeração de 51
a 200 são creditados a
Paulo Roberto Rohrbach
– criador dos brasões
de armas do Paraná e de
Curitiba.

Acervo Gibiteca de Curitiba / Casa da Memória – FCC

As Zequinhas eram embaladas,
inicialmente, com os desenhos à
mostra, para desespero dos vendedores
de balas; afinal, as crianças
queriam os doces com numerações
específicas, a fim de completar a coleção.
Logo a fábrica providenciou
a mudança, e a numeração só ficava
visível ao ser desembrulhado o
produto.

Apesar das primeiras coleções
não terem álbuns para
acondicionar as figurinhas, as
crianças encontravam saídas
criativas e colavam as numeradas
em cadernos ou faziam uso
de uma carteirinha formada por
dois pedaços de papelão 8x6cm
e três tiras de elástico ou cadarço
com nove centímetros cada. A
engenhoca permita que as figurinhas
fossem mantidas sem
serem amassadas e a “passá-las
de um lado ao outro, miraculosamente,
diante dos olhos embasbacados
de quem não conhecia
o truque”, contou Valêncio
Xavier, em artigo publicado no
jornal O Nicolau, em 1989.

Acervo Governo do Paraná, Secretaria da Comunicação Social da Cultura e Museu Paranaense

ZEQUINHA FAZ-TUDO
Em diferentes épocas, Zequinha
foi retratado desempenhando inúmeras
atribuições, de ferreiro a
engenheiro, de dentista a astrônomo,
de açougueiro a delegado. Foram
tantas as funções que Zequinha
tornou-se sinônimo de uma
pessoa faz-tudo, aquela dedicada a
vários ofícios.

Muitas figuras faziam referência a
questões próprias dos períodos dos
desenhos, a exemplo, as profissões
desempenhadas e expressões faladas
à época. Zequinha foi canhoneiro
(armador de canhões), boxeur
(boxeador), salsicheiro (vendedor
de salsichas), escafandrista (mergulhador)
e pirata (namorador). Mas
o personagem também ocupou papéis
e teve atitudes que certamente
não seriam aceitos hoje, ainda
mais para um produto direcionado
às crianças. Zequinha passou por
um período sombrio de sua história,
esteve embriagado, foi gatuno,
atropelado e raquítico, ficou louco,
afogou-se, suicidou-se e foi encontrado
enforcado.

Controverso ou não, Zequinha
era unanimidade entre as crianças
que buscavam completar a série
de 200 figurinhas para trocar por
bolas de futebol, bonecas, porta-níqueis e lanternas elétricas, entregues
pelos fabricantes.

 

O comércio das balas foi revolucionário
entre as crianças, promovendo
encontros para troca de figuras
e disputas em jogos de Bafo
e Tique. “O jogo de Bafo consistia
em que cada adversário colocasse
as figurinhas com a face dos desenhos
voltadas para o chão: quem,
batendo com a palma da mão nas
figurinhas, conseguisse desvirá-las,
ganhava-as. (… ) O jogo de Tique
consistia em ‘casar’ as figurinhas
perto de um muro, ou parede.
Jogava-se moedas, ou chapinhas
de ferro na parede, onde batiam
e vinham ao chão. A que chegasse
mais perto das figurinhas do
adversário, ganhava-as”, explicou
Xavier, no Boletim Informativo da
Casa Romário.

A MARCA E A CONCORRÊNCIA

Zequinha não reinou absoluto entre
as crianças das décadas de 1920
a 1950. Embora alguns periódicos
tragam a informação de que a produção
diária das Zequinhas era de
1.200 quilos, ou seja, 360 mil balas,
Xavier destacou que as Balas Chico
Fumaça, desenhadas por Alceu
Chichorro, também encontraram
na disputa pelo público, mas não
foram tão bem aceitas.

De acordo com levantamento
de Xavier, as Balas Bandeirinhas
(com figurinhas de bandeiras de
vários países), as Caramelo Aéreo-
Lloyd (figurinhas que coladas
em ordem, em uma folha de
cartolina, formavam o desenho de
um avião) e as Pastilhas Zoológicas
(figuras com animais desenhados)
encontraram relativo sucesso nos
anos 1930.

ICM DAS CRIANÇAS

As práticas questionáveis de Zequinha
não foram reproduzidas
em 1979, quando o governo do
estado, comandado pelo então
governador Ney Braga, criou um
campanha visando a ampliação da
arrecadação do Imposto de Circulação
de Mercadorias (ICM) por
meio da emissão de notas fiscais e
comprovantes de vendas. Na campanha,
agora sem as balas, mas
com desenhos de Nilson Müller,
Zequinha foi representado remodelado
e com novos traços: um
típico cidadão comum, politicamente
correto em seus atos e práticas,
visitava o Paraná, as obras e
os órgãos públicos. Entretanto, a
grande gola, a gravata borboleta, a
maquiagem e os sapatos de palhaço
foram mantidos.

A campanha do governo foi tão
bem sucedida que, em três etapas
da campanha, realizadas durante
um ano inteiro, “houve a maior arrecadação
de ICM dos últimos sete
anos”, trazia matéria publicada no
jornal Diário do Paraná, em fevereiro
de 1981. Em 14 meses de campanha, foram emitidos Cr$ 53
bilhões em notas fiscais, arrecadação
de Cr$ 37,9 bilhões
em impostos, distribuídos 196
mil prêmios em todo o estado
e impressas algo em torno de
206,7 milhões de figurinhas.

Para concorrer aos prêmios distribuídos
pelo governo era necessário
completar o álbum de 200 figurinhas.
A cada mil cruzeiros em
notas fiscais, as crianças trocavam
por um álbum e uma carteirinha
de sócio do Clube do Zequinha
ou por um envelope com 20 figurinhas.
No decorrer da campanha,
as regras foram alteradas.

Algumas figurinhas eram consideradas
difíceis de serem encontradas,
com a de número 10, que trazia
Zequinha Músico. A disputa
por esse número era tamanha que
o jornal Diário do Paraná, de novembro
de 1979, trouxe a seguinte
nota: “Aconteceu dias atrás: o
cidadão teve o carro arrombado
por um ladrão, que levou sua
carteira com dinheiro e diversos
documentos. O ladrão pegou o
dinheiro e jogou a carteira fora.
Uma senhora encontrou e, entre
os documentos, descobriu algo
raro: a figurinha nº 10 do ‘Zequinha
Músico’. Telefonou para
a vítima, avisando que encontrara
seus documentos, mas que só
entregaria com a condição: se a
recompensa fosse a figurinha nº
10. O cidadão, é claro, aceitou a
proposta”.

A febre para completar a coleção,
a procura pelas figurinhas, as filas
formadas para troca das notas
fiscais foram tamanhas, que até
bancos privados passaram a ser
pontos de troca.

POTY E XAVIER

Valêncio Xavier foi um expert
quando se tratava de Balas Zequinha.
Ele escreveu diversos artigos,
em inúmeros jornais e boletins e,
com Poty Lazzarotto, desenvolveu
o livro A Propósito de Figurinhas.
A obra, publicada em 1986 pelo
Studio e Krieger, fazia uma releitura
de 30 figurinhas das Balas
Zequinha, os desenhos ficaram a
cargo de Poty e Valêncio foi responsável
pela produção de textos
relacionados às imagens.

Controverso ou não, Zequinha foi
um sucesso entre as mais diversas
gerações que tiveram contato
com ele e, como disse Xavier, em
entrevista ao Correio de Notícias,
de 1989, “Não existe nada mais
curitibano que Dalton Trevisan e
a Bala Zequinha”.

 

MATERIAIS E ACERVOS CONSULTADOS:
– Casa da Memória de Curitiba

– Casa Gomm – Coordenação do Patrimônio Cultural do Paraná

– Instituto Nacional de Propriedade Industrial

– Museu Paranaense

– Gibiteca de Curitiba

– Boletim Informativo da Casa Romário Martins: Desembrulhando as Balas Zequinha, de agosto de 1974.

– Jornal Correio de Notícias, de 1980 e 1989

– Jornal Diário do Paraná, de 1981

– Jornal Gazeta do Povo, de 1974

– Jornal O Nicolau, de 1989

– Livro A Propósito de Figurinhas, de Valêncio Xavier e Poty Lazzarotto

– Site da Prefeitura de São Paulo – Secretaria da Cultura – Artigo Piolin

 

Publicado por Silvia Bocchese de Lima

10/06/2020 às 22:38

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