NOTÍCIAS

Simpatia como matéria-prima

A empresa paranaense Disapel chegou a contar com 110 lojas espalhadas pela Região Sul do Brasil e São Paulo. O slogan traduzia a essência da empresa: a simpatia.

27/01/2021

Silvia Bocchese de Lima | Fotos: Bruno Tadashi e arquivo pessoal

Apesar de compor um
coletivo, algumas figuras são essenciais para
o funcionamento harmônico de uma família, de uma
empresa, uma organização. Assim
como em uma orquestra, que tem
a figura do maestro como fundamental, o comando das Lojas Disapel, tinha na pessoa do seu presidente, Paulo Turkiewicz, o cerne
da empresa.

Os negócios iniciados pelo pai de
Paulo, Mário Turkiewicz, no Paraná, têm relação com a chegada
da TV no Brasil e a instalação de
uma emissora em Curitiba, no
início da década de 1960. A novidade fez com que a família de contadores decidisse investir na venda itinerante de televisores pelo
estado. A ideia deu tão certo que
em 1964 instalaram na capital do
Paraná, na Praça Santos Andrade,
a Distribuidora de Aparelhos Eletrodomésticos Ltda., e à lista dos
produtos comercializados foram
adicionados refrigeradores e secadoras de roupas. Desde o início da
loja, os fundadores entenderam a
necessidade de investir em publicidade e a primeira experiência foi
totalmente exitosa. Os comerciais de geladeiras foram veiculados na Rádio Independência
e todos os itens vendidos.
Mário abandonou a contabilidade e investiu no comércio.

Anúncio Alegria, veiculado na Revisa Veja – Vejinha Curitiba, em 1993

A Disapel passou a contar
com outras duas lojas na cidade, uma na Rua Barão do
Rio Branco e outra no bairro
Novo Mundo. Foi no início
da década de 1970 que há a
primeira expansão da empresa, com a inauguração de
filiais em Paranaguá, Ponta
Grossa e Joinville, em Santa
Catarina. Segundo o jornal
Diário da Tarde, de 27 de
março de 1971, a empresa passa de capital limitado para a
categoria de Sociedade Anônima, com capital de dois milhões
de cruzeiros – embora periódicos
da época da decretação da falência,
em 2000, a citem como empresa
limitada. De um pequeno empreendimento no centro da capital
paranaense, a Disapel se tornou
uma das maiores revendedoras de
eletrodomésticos do estado, com
um total de 110 lojas espalhadas
pelo Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e São Paulo.

O MAESTRO

Nascido na gaúcha Santo Ângelo, Paulo Turkiewicz veio a Curitiba, ainda criança, para estudar.
Graduou-se em Contabilidade,
mas a sua real vocação era para o
comércio. “O Paraná foi celeiro
de grandes empresários, Paulo
era um deles, com uma impressionante visão, como poucos.
Muito antenado, ousado, ligado no 220V. Nasceu para o varejo,
uma pessoa difícil de se encontrar, acima da média na área
comercial, um expoente, audacioso”, descreve Elon César Isfer
Garcia, responsável pelo planejamento de mídia da Disapel e
hoje diretor da Elon Garcia Publicidade.
Paulo também era sistemático,
tinha uma rotina diária que fazia
questão de cumpri-la religiosamente. Acordava às 5h30, uma
hora depois já estava no clube para
jogar tênis e ali permanecia até às
8h, pois o expediente tinha início
às 9h e, ao meio dia, fazia questão
de almoçar em casa. No início da
tarde, retornava à empresa.

Quando o publicitário Elói Zanetti fala da timidez do paranaense ao se aventurar além do Rio
Paranapanema – rio que divide
os estados de São Paulo e Paraná
–, certamente não fazia referência a Paulo Turkiewicz, que foi
considerado o empresário do
ano de 1994 no Paraná, destaque de vendas da marca CCE,
em 1993 e, em 1992, em Paris,
foi reconhecido como um dos
dez maiores revendedores Philips no mundo. Além disso, a
empresa foi a maior revendedora
da marca Monark e responsável
pelo lançamento nacional da
Sundown. Na década de 1990, a
Disapel era o maior grupo de varejo no Paraná, com faturamento que chegou a ultrapassar os
US$ 500 milhões ao ano.

Como um maestro, Paulo tinha
visão sistêmica, promovia a unidade de todo o grupo, transmitia o
ritmo, dava o andamento e a expressividade da Disapel, unificava
o pulso coletivo dos mais de 1.800
colaboradores.

IDENTIDADE

Walter Landor, um alemão especialista em marcas, afirmou que
“os produtos são feitos na fábrica,
mas as marcas são feitas na mente”. Um dos responsáveis por criar
a identidade visual, sonora, e ser
a própria voz e a imagem da Disapel, foi o publicitário Elon Garcia – pioneiro da comunicação no
Paraná, e a primeira pessoa a aparecer em uma televisão no estado,
o que ocorreu em 1960, quando
da inauguração da TV Paranaense
Canal 12.

Elon Garcia – Imagem do acervo familiar

Com uma voz única, Elon Garcia
começou no rádio, em 1950, aos
16 anos de idade, como locutor e,
na década de 1960, passou para
área comercial da rádio, mas desde 1965, sua imagem e voz estiveram intimamente ligadas à marca
Disapel. Ele foi, desde então, o
marqueteiro e o garoto-propaganda da empresa durante toda a existência da rede.
Como era autodidata em marketing, Elon fazia locuções, escrevia textos e, em 1971 inaugurou
a Elon Garcia Publicidade. Foi
criação dele slogans como “Disapel, a mais simpática”, de campanhas como a do “Apenas um
beija-flor de entrada”, uma referência à nota de um real que trazia estampada a figura do passado
na cédula, jingles que ainda hoje
são lembrados e, claro, as linhas
de móveis que apenas a Disapel
ofertava. “Trabalhar o simples é
difícil e, com toda a sua simplicidade, ele era um gênio. Tinha
sacadas impressionantes e desenvolveu campanhas homéricas.
Ele dizia que queria fazer uma
‘publicidade que todos pudessem
entender’, e conseguiu”, avalia o
filho, Elon César.

A simpatia era marca registrada
da Disapel. Elon Garcia, ao criar
o slogan, expressou em palavras o
que estava presente no DNA da
empresa. “Na época, os slogans frisavam as qualidades de maior isso,
melhor aquilo. Na verdade, ainda
hoje vemos muito disso. Meu pai
queria algo que fosse interessante
para os públicos interno e externo,
e como era premissa que os vendedores da Disapel atendessem bem
e fossem simpáticos com qualquer
comprador, aí surgiu o slogan. Repito, a simplicidade é essencial na
comunicação”, pontua.

PUBLICIDADE

A Disapel realizou constantes e
vultosos investimentos em publicidade. Na década de 1990, eram
produzidos 12 comerciais todas as
semanas, anúncios eram veiculados em 90 rádios, 45 televisões, 13
jornais e eram impressos, a cada
quinzena, 1,5 milhão de tabloides.
Durante 16 anos, à época com 30
pontos de audiência ao meio-dia,
a Disapel anunciava diariamente
no Globo Esporte.

No período de inflação galopante
que a economia brasileira viveu
nos anos finais da década de 1980
e iniciais da de 1990, Elon Cesar
conta que eram preparados anúncios para vendas de uma televisão,
por exemplo, com valor de Cz$
100 na segunda-feira, Cz$ 115 na
quarta e Cz$ 140 na sexta-feira.

Elon Cesar foi um dos pioneiros
em planejamento de mídia. O
trabalho desenvolvido pela Elon
Garcia Publicidade junto à Disapel, o uso adequado e comprovado da verba cooperada – aquela
utilizada para divulgação das lojas
e dos produtos e dividida meio a
meio entre fornecedores e lojistas
–, rendeu à agência o reconhecimento espontâneo por parte da
fábrica Bicicletas Monark. “Parabenizamos pelo excelente trabalho de comunicação desenvolvido
junto à parceria Disapel/Monark.
O mercado nacional é carente de
trabalhos deste nível no varejo. O
equilíbrio conseguido na exposição tanto do produto/fabricante
quanto da casa comercial reflete
sobre o consumidor, maior respeitabilidade e credibilidade para
ambas as empresas. Além da perfeita utilização das técnicas de comunicação”, dizia correspondência assinada por Sérgio Silveiro,
diretor de Propaganda e Promoções da Monark.

DIFERENCIAIS

A Disapel tinha como foco vender móveis e eletrodomésticos
para as classes populares e ajustou sua linguagem e forma de se
comunicar com o público a este
objetivo. A rede não possuía fabricação própria, ao contrário,
comercializava os mesmos produtos que as lojas concorrentes,
mas com um diferencial, batizava
e oferecia linha de móveis com
nomes próprios o que levava o
público a buscar pelo produto
que “apenas” a Disapel ofertava.
Os nomes dos itens iam de bicama Leleca, passando por colchão
Amoroso, estante Dirce Reis,
copa Belatriz ao fogão Sambim.
“Para criar um diferencial, meu
pai dava nomes aos produtos
comercializados. Ele criou toda
uma linha de móveis Dirce Reis
que ficou muito famosa. Eram armários, estantes, colchão. As pessoas chegavam a ligar na Disapel
para falar com a Dirce Reis. As
indústrias compraram a ideia e o
produto saía da fábrica com etiqueta, logo da Disapel e o nome
dado. Era exatamente o mesmo
produto que você poderia encontrar na concorrência, mas os
clientes buscavam pelo colchão
Dirce Reis”, lembra.

Em parceria com o jornal Tribuna do Paraná e o Grupo Paulo
Pimentel, na década de 1990, foi
criada a campanha Caminhão de
Prêmios da Disapel. Durante três
meses foram realizados sorteios semanais e sorteados 36 clientes que
receberam caminhões repletos de
prêmios, que chegavam a US$ 10
mil. A premiação não estava atrelada à compra, mas se o sorteado,
no momento da entrega dos prêmios, apresentasse um carnê da
Disapel, ou a nota fiscal de uma
compra realizada na loja, levava
no ato mais mil reais em dinheiro.
Ao término da campanha, foram
recebidos mais de um milhão de
cupons.

Elon Garcia Isfer Garcia

TRAGÉDIA

Aos 55 anos de idade, Paulo
Turkiewicz foi uma das cinco vítimas fatais de um trágico acidente aéreo, ocorrido em junho de
1997, na cidade de Guaratuba,
litoral paranaense. No acidente
também perderam a vida o piloto
Jairo Batista, o co-piloto Luiz Carlos Burin, o supervisor de vendas
da Cônsul na Disapel, Cézar Faraco, e o diretor comercial da Disapel, Ézio Alquini.

Em uma nova analogia de empresa com orquestra, Ézio Alquini
seguramente seria o spalla, o músico responsável por todos os demais, o último músico a entrar no
palco, aquele que se assenta à esquerda do maestro e o único que
o cumprimenta e que pode vir a
substituí-lo. Garcia conta que Paulo chegou a procurar no mercado
diversos executivos para auxiliá-lo
na função e o Ézio foi quem melhor se adaptou. “Ézio havia sido
presidente da Cônsul, diretor da
Artex, uma pessoa muito bem
preparada. Quando o acidente
aéreo ocorreu, Paulo, o maestro,
morreu. Infelizmente não tinha
ninguém à altura para substituí-lo
e, em três anos, a empresa acabou.
Se Ézio não tivesse morrido no
acidente, talvez fosse ele a pessoa
que viria assumir a presidência, exercer a função de CEO da Disapel, pois tinha a confiança dos fornecedores e era peça-chave dentro da empresa.”

A presidência da Disapel foi assumida pelo filho de Paulo, Paulo
Gustavo, há época com 26 anos.
Paulo Gustavo começou a cursar
Administração e Economia, a se
inteirar dos assuntos da empresa
e ser preparado para a sucessão
aos 19 anos de idade, quando auxiliava na área de tecnologia na
Elon Garcia Publicidade, acompanhando o desenvolvimento de
programas de planejamento de
mídia. Depois de três anos, foi
trabalhar na sede administrativa
da Disapel e passou por diversos departamentos e foi também
uma espécie de ombudsman da empresa, atendendo, principalmente, o pós-venda. “Paulo Gustavo
trabalhou em diferentes áreas da
empresa mas não deu tempo de
acompanhar o pai na liderança.
Ele era extremamente competente, um excelente administrativo,
mas aquele feeling para o varejo
ainda lhe faltava. Quando Paulo faleceu, todos fomos pegos de
surpresa e o filho, ainda muito
jovem, não estava preparado o suficiente para assumir a empresa”,
revela Garcia.

PLANO REAL E DECLÍNIO

Em 1998, a economia brasileira
passava por período de mudanças, com a recente implantação
do Plano Real, o câmbio flutuante, o dólar – que era cotado a R$
1,00 logo chegou a R$ 2,50 –, e
a Selic, a taxa básica de juros, alcançou 49,75%. As empresas que
antes dispunham de um prazo
para pagamento de 300 dias junto
aos fornecedores viram este tempo ser reduzido para 90. “Foi um
boom muito violento. Isso afetou
principalmente as grandes empresas. Era preciso arrumar dinheiro
em um prazo muito mais curto,
houve um total descompasso da
economia, que afetou não apenas
a Disapel, mas todo o mercado, e
essa situação ocorreu justamente
na fase de troca de administração”, lembra o publicitário.

Foi a partir da implantação do
Plano Real que muitas instituições empresariais e associativistas
brasileiras sofreram forte abalo,
é o que destaca o presidente do
Sistema Fecomércio Sesc Senac
PR, Darci Piana. “Acostumadas a
viver da aplicação financeira de
suas receitas, viram a fonte secar
da noite para o dia. Literalmente,
porque as operações overnight, responsáveis por ganhos expressivos
entre o fechamento dos bancos e
sua reabertura na manhã seguinte, foram extintas no processo de
enxugamento da economia. Nos
anos seguintes, marcas expressivas
como Bamerindus, Banestado,
Hermes Macedo, Disapel, Farmácias Minerva e outras, desapareceram”, pontua Piana.

Com débitos acumulados em
mais de R$ 150 milhões, sem
crédito na praça e sem conseguir
repor mercadorias, a Disapel Eletrodomésticos Ltda. entrou em
concordata em janeiro de 1999 e
teve a autofalência decretada em
junho de 2000. O Grupo Ponto
Frio, que há época contava com
347 lojas de eletrodomésticos espalhados pelo Brasil, arrematou e
assumiu as 81 lojas da Disapel que
ainda estavam em funcionamento, por R$ 12,1 milhões.

Publicado por Silvia Bocchese de Lima

27/01/2021 às 15:26

Veja também
©2024 • Fecomércio PR. Todos os direitos reservados

Este site utiliza cookies para aprimorar sua experiência na navegação, bem como auxiliar nossa capacidade de fornecer feedback, analisar o uso do nosso site e ajudar a fornecer informações promocionais sobre nossos serviços e produtos. Para mais informações, por favor visite nossa Política de Privacidade.